Quebrar barreiras sensoriais | Entrevista – Bote de Teatro
Imagem – Allan Rodrigues
O Bote de Teatro dá continuidade ao espetáculo Salto, agora ampliando as ações para pessoas com deficiência (PCD) e também abraçando o público geral. Nesta primeira intervenção do grupo teatral pernambucano em 2024, “Salto” abre a temporada acessibilidades no Teatro Hermilo Borba Filho (Cais do Apolo, nº 142), no centro do Recife, nos dias 6 e 7 de agosto, às 20h, gratuito.
Os ingressos estão disponíveis na internet (via Sympla – bit.ly/4c14m1G) e na bilheteria do teatro uma hora antes da apresentação – 10% dos ingressos são para pessoas da comunidade do Pilar, no centro recifense, e 10% para pessoas trans. A classificação etária é a partir de 16 anos de idade (contém uso de entorpecentes, nudez e linguagem imprópria).
Entre as ações de acessibilidade para a realização da peça estão LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), audiodescrição, atividade sensorial/autodescrição (a partir das 19h), assistência de profissionais da acessibilidade e infraestrutura acessível, além da parceria com o programa “Pernambuco Conduz” (PE Conduz) para transporte acessível (faça a inscrição via formulário online – bit.ly/3SqHim6). O PE Conduz é um serviço de atendimento especial gratuito de transporte “porta a porta”, com o objetivo de disponibilizar veículos adaptados e acessíveis para a locomoção de pessoas com deficiência que apresentam comprometimento da mobilidade e que não têm condição de se locomover com autonomia nos demais meios de transportes coletivos.
As apresentações de “Salto”, nesta ocasião, têm o financiamento da Lei Paulo Gustavo, com o apoio da Prefeitura do Recife. O grupo Bote de Teatro segue firme com o mesmo elenco: Cardo Ferraz, Daniel Barros, Inês Maia, Pedro Toscano e Una Martins (atriz convidada). Para falar um pouco mais sobre essa temporada, o coletivo conversou um pouco com o Quarta Parede.
A acessibilidade sempre foi uma questão importante para o grupo, presente em todos os seus projetos, com uma ou duas ações de acessibilidade. O que muda nesta temporada, que tem como público-alvo as pessoas com deficiência (PCD)? Qual foi o ponto de partida dessa ideia?
Bote de Teatro: Nosso público sempre foi diverso, e estamos continuamente buscando formas de tornar nossos espetáculos acessíveis a todos e a todas. Nesta temporada, expandimos significativamente nossas ações de acessibilidade para melhor atender às necessidades das pessoas com deficiência (PcD). Graças ao patrocínio da Lei Paulo Gustavo e da Prefeitura do Recife, podemos implementar uma gama mais ampla de iniciativas de acessibilidade. Pela primeira vez, teremos audiodescrição para o público cego e com baixa visão, além de acessibilidade comunicacional, arquitetônica e atitudinal.
Essas melhorias foram desenvolvidas em colaboração com especialistas em acessibilidade e com a participação ativa de pessoas PcD, garantindo que nossas ações sejam eficazes e respeitosas. A inspiração para esta temporada veio do nosso desejo de garantir que todos possam participar plenamente de nossas produções. SALTO, com sua estética retrofuturista e experiência imersiva, nos desafiou a encontrar maneiras de quebrar barreiras sensoriais e tornar a cultura acessível a todos e a todas.
Perguntamos a nós mesmos: como podemos assegurar que o público PcD tenha a mesma experiência rica e envolvente que oferecemos a todos os outros e outras? Estamos comprometidos em criar um ambiente inclusivo onde todas as pessoas, independentemente de suas habilidades, possam se sentir bem-vindas e valorizadas. A inclusão é uma parte essencial da nossa missão, e estamos entusiasmados em continuar melhorando nossas práticas para garantir que todos possam desfrutar de nossos espetáculos.
Como está sendo a montagem para a realização da peça? O que é preciso fazer para garantir acessibilidade em teatros?
BT: Estamos dedicados a garantir o máximo de acessibilidade possível para as apresentações de SALTO. Após um hiato de quase seis meses, estamos entusiasmados em voltar a apresentar em nossa cidade, agora no Teatro Hermilo Borba Filho, após uma temporada no Teatro Marco Camarotti. Nosso foco é assegurar que todas as ações de acessibilidade sejam implementadas de forma abrangente e eficaz.
Para estas duas apresentações, estamos viabilizando uma série de iniciativas de acessibilidade, desenvolvidas em colaboração com especialistas e com a participação ativa de pessoas com deficiência (PCD). Isso inclui Acessibilidade Comunicacional (Tradução em LIBRAS e Audiodescrição), Acessibilidade Arquitetônica (Banheiros acessíveis e Rampas de acessibilidade) e Acessibilidade Atitudinal (contratação de assistentes de acessibilidade para acompanhar as pessoas que necessitem e transporte acessível para cadeirantes). Nosso compromisso é criar um ambiente inclusivo onde todas as pessoas, independentemente de suas habilidades, possam desfrutar plenamente de nossas produções.
Acreditamos que a acessibilidade não é apenas uma série de ações, mas uma parte essencial da nossa missão e uma responsabilidade contínua. Estamos orgulhosos do progresso que estamos fazendo e continuaremos a buscar maneiras de melhorar e expandir nossas práticas de acessibilidade.
A acessibilidade no meio artístico busca garantir que pessoas com deficiência estejam em qualquer parte do espetáculo, não apenas na plateia. Vocês também vão além da plateia?
BT: O Bote valoriza profundamente a diversidade e a inclusão como princípios centrais de nossa prática artística. Como um grupo majoritariamente LGBTQIAPN+, nos esforçamos para criar um ambiente onde todas as identidades e experiências são respeitadas e celebradas. Nosso compromisso com a inclusão se reflete na composição da nossa equipe, que inclui profissionais de diversas origens e identidades. Temos orgulho de colaborar com pessoas racializadas, transexuais e com deficiência (PCDs), que desempenham papéis importantes em todas as etapas de nossas produções.
Atualmente, nossa equipe principal inclui profissionais que trazem uma variedade de perspectivas e talentos, enriquecendo nosso trabalho artístico. Além de garantir que nossos espetáculos sejam acessíveis a todos e a todas, estamos continuamente buscando maneiras de promover a equidade em nossas práticas diárias. Acreditamos que a verdadeira inclusão vai além de meras palavras; ela se manifesta em nossas ações, decisões e na forma como acolhemos e valorizamos cada membro de nossa equipe. Estamos comprometidos com a criação de um ambiente artístico que seja representativo e acolhedor para todos. A inclusão e a diversidade não são apenas objetivos a serem alcançados, mas partes essenciais da nossa identidade como grupo teatral.
Acredita que a acessibilidade ainda é uma questão a ser enfrentada nos teatros de Pernambuco? Apesar da sensibilidade da área cultural, pessoas com deficiência enfrentam problemas para consumir produções culturais em Pernambuco. O que vocês comentam sobre essa problemática?
Priscila Siqueira: Enquanto coordenadora de acessibilidade, entendo que essa é uma problemática do Brasil inteiro, do mundo inteiro que está, mas Pernambuco ainda tem muita invisibilidade no tema de acessibilidade e no tema de inclusão PcD no geral. Pouco se fala sobre isso aqui. Quando se fala em diversidade no Nordeste, ainda não se fala em pessoas com deficiência.
Então, aqui em Pernambuco tem muitos patrimônios tombados. Quando se fala em teatro, ainda é muito difícil encontrar espaços que sejam realmente acessíveis para a gente. Eu penso que essa questão dos editais obrigarem espaços culturais a se adaptarem para receber pessoas com deficiência tem ajudado muito a colocar a pauta para frente, mas ainda não é suficiente.
Isso não é uma problemática só dos teatros, mas também de grandes festivais, também de shows de grandes artistas. Digo isso porque trabalho com cultura no geral. Então, poucos shows pensam na inclusão PcD. Quando se faz alguma coisa é realmente só colocar uma área que chamam de área acessível, mas que não é cuidada, que não tem uma equipe que dê suporte, que não tem ninguém pra informar como funciona, que não tem ninguém pra ajudar de verdade, sabe? Ainda não se pensa em LIBRAS, não se pensa em audiodescrição, não se pensa em acessibilidade, no fim das contas.
É uma coisa que está mudando, mas muito devagar, e aqui é uma pauta que tem que ser levada a sério com urgência para que a gente possa avançar em alguma coisa. Fico feliz que a peça ‘Salto’ está se preocupando com isso, não só pela questão do edital, mas por entender a necessidade de se incluir todo mundo.